<style>.lazy{display:none}</style> O Abandono Afetivo Inverso e a Responsabilidade para com o idoso
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Maria Porath – Famílias e Sucessões

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Consequências jurídicas
de abandono afetivo de idoso

mariaporath.adv.br

Autora: Maria Luisa Porath[1]

De forma geral, entende-se que os filhos possuem responsabilidade perante os pais idosos. Isso porque os pais cuidam dos filhos e, naturalmente, há a inversão de papéis, com a chegada da terceira idade. E para quem não possui filhos ou quando são falecidos, ou ainda, quando há o abandono afetivo inverso, a quem compete cuidar do idoso? E quais seriam essas responsabilidades?

Muito se discute sobre o abandono afetivo quando os pais não zelam pelo seu filho; ou seja, quando há a ausência de uma paternidade/maternidade responsável: alguém que proporcione o cuidado esperado de pais para com os filhos. Contudo, quando se inverte a lógica, isto é, quando omisso o cuidado dos filhos para com os pais idosos, ocorre o chamado abandono afetivo inverso. Jonas Figueiredo Alves conceitua-o como “[…] a inação de afeto, ou mais precisamente, a não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos, quando o cuidado tem o seu valor jurídico imaterial servindo de base fundante para o estabelecimento da solidariedade familiar e da segurança afetiva da família”[2].

Com a pandemia da COVID-19, foram noticiados diversos casos de abandono de idosos, seja em seus próprios lares ou nas casas de repouso. A justificativa para tal omissão de cuidado era o distanciamento social. No entanto, ainda, e principalmente, em casos extremamente vulneráveis, o dever de zelo para com o idoso deve permanecer.

A razão disso é que, muitas vezes, o idoso já não consegue realizar as tarefas básicas diárias e, assim, necessita de uma ajuda externa. Como conciliar sozinho o medo da pandemia, as limitações físicas e mentais e as restrições de deslocamento para evitar a propagação do contágio do novo coronavírus?

A Lei Federal nº 10.741/2003, que dispõe acerca do Estatuto do Idoso, em seu artigo 3º, afirma que é 

obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Delimitação das Responsabilidades dos sujeitos…

Primeiramente, quando se fala em comunidade, sociedade e Poder Público, os cuidados se restringem ao respeito e à efetivação dos direitos dos idosos. Isso significa dizer que compete ao Poder Público prover saúde, educação, lazer, etc. A comunidade e a sociedade, de forma geral, devem respeitar e assegurar que esses direitos sejam resguardados; ou seja, esse cuidado se refere mais à efetivação dos direitos coletivos do idoso e ao respeito do princípio da dignidade da pessoa humana.

No entanto, quando se fala em obrigação da família, os deveres de cuidado se aprofundam. O artigo 229 da Constituição Federal afirma que “[…] os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. Como já mencionado, ocorre a inversão de cuidados, quando os pais encaram a terceira idade. Contudo, na falta de filhos, chamam-se os netos; e, na ausência de outros descendentes, os irmãos e outros parentes colaterais[3]. Em último caso, cabe ao Poder Público prover assistência social ao idoso[4].

Quais são as responsabilidades de cuidado para com o idoso no seio familiar?

Conforme bem pontuado pela Ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Nancy Andrighi, “amar é faculdade, cuidar é dever”[5]. Isso significa que não há como obrigar o cultivo do amor, mas o cuidado é um dever familiar de via de mão dupla: de pais para filhos e vice-versa. Nesse sentido, quando se está diante de um abandono afetivo, seja ele inverso ou não, há a possibilidade de reparação civil, indenização, a depender do caso concreto.

A responsabilidade principal, que permeia todas as outras, é o de prover alimentos ao idoso. Não no sentido restrito da palavra, vez que o direito de alimentos abrange o mínimo necessário para que o idoso possa viver e aproveitar a sua velhice com dignidade. Nesse sentido, outros gastos são incluídos no cálculo base para a pensão alimentícia, por exemplo:

Ressalta-se que há uma particularidade no direito a alimentos dos idosos: ao contrário do que prevê o artigo 1.698[6] do Código Civil, aplica-se o artigo 12 do Estatuto do Idoso em que afirma que a obrigação é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores. Em outras palavras, o idoso não fica restrito à quota parte de cada prestador; pode cobrar a integralidade dos alimentos a qualquer um deles.

E no caso de abandono afetivo pelos pais ainda quando menores os filhos, persiste a obrigação de cuidado do idoso?

Apesar da previsão expressa de cuidado dos filhos para com os pais idosos, é possível que a relação familiar se abale por diversos motivos. Uma vez os filhos adultos, há, inclusive, casos de rompimento familiar; contudo, quando os pais idosos alegam abandono afetivo inverso, os filhos rebatem que houve abandono afetivo na infância.

Portanto, questiona-se qual seria o caminho jurídico a seguir: obrigar os filhos a prestarem cuidados para com os pais que o abandonaram na infância ou afastar esse dever? Entretanto, a resposta jurídica depende de cada caso. Assim, se você está passando por uma situação semelhante ou se conhece alguém que esteja, é imprescindível que contate um advogado ou uma advogada especialista em direito de família. Somente através de uma consulta jurídica, com uma análise aprofundada do caso, é possível traçar uma estratégia jurídica, a fim de minimizar qualquer sofrimento familiar.


[1] Advogada. Membro da Comissão de Direito de Família da Subseção de São José (SC). Membro da Comissão de Mediação da Subseção de São José (SC). Formada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Licenciada e Bacharela em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) — 2015. E-mail: contato@mariaporath.adv.br


[2] Alves, J. F. Abandono afetivo inverso pode gerar indenização. Revista IBDFAM –Instituto Brasileiro de Direito de Família, 16 de jul. de 2013. Disponível em: <https://www.ibdfam.org.br/noticias/5086/+Abandono+afetivo+inverso+pode+gerar+indeniza%C3%A7%C3%A3o#:…. Acesso em 17 nov. 2020.

[3] Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.

[4] Art. 14. Se o idoso ou seus familiares não possuírem condições econômicas de prover o seu sustento, impõe-se ao Poder Público esse provimento, no âmbito da assistência social.

[5] CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido. (STJ – REsp: 1159242 SP 2009/0193701-9, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 24/04/2012, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/05/2012 RDDP vol. 112 p. 137 RDTJRJ vol. 100 p. 167 RSTJ vol. 226 p. 435)

[6] Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.

* Primeira publicação deste artigo de autoria de Maria Luisa Machado Porath foi em Schiefler Advocacia.

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