<style>.lazy{display:none}</style> Vale a pena fazer um testamento particular?
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Maria Porath – Famílias e Sucessões

Vantagens e Desvantagens de testamento particular. Direito Sucessorio. Maria Porath

 

 

Vantagens e Desvantagens
de Testamento Particular

mariaporath.adv.br

Autora: Maria Luisa Porath[1]

É comum no cinema a cena na qual uma pessoa, geralmente idosa ou em fase terminal de uma doença, redige um testamento, ou somente a leitura desse instrumento após a sua morte. Mas você sabe como funciona o testamento particular? Para que serve? E quais as suas vantagens e desvantagens? Deseja descobrir se vale a pena para você elaborar um testamento particular?

O que é o testamento particular

Primeiro, é importante entender o que é o testamento. Em linhas gerais, o testamento é um documento em que uma pessoa manifesta suas vontades para depois de sua morte. De acordo com a lei, podemos subdividir as formas de elaborar um testamento do seguinte modo:

Ordinária[2]:

      • Testamento público;

      • Testamento cerrado; e

      • Testamento particular (e testamento particular simplificado ou emergencial).

  • Extraordinária ou Especial[3]:

      • Testamento marítimo;

      • Testamento aeronáutico;

      • Testamento militar.

    A via ordinária é conhecida assim porque todas as pessoas que têm capacidade de testar podem fazer uso dela. Em outras palavras, todos aqueles que não estão proibidos por lei podem fazer testamento pela via ordinária. Já a extraordinária (ou especial) é restrita a determinadas circunstâncias em que a pessoa se encontra.

    Conforme a subdivisão apresentada acima, é possível compreender que o testamento particular é uma das formas ordinárias de fazer um testamento. Ainda, é válido mencionar que ele tem uma particularidade: quando o testador – pessoa que deseja externalizar sua última vontade – estiver em circunstâncias excepcionais que o impeçam de fazer uso de testemunhas, é possível elaborar o que se chama de testamento particular simplificado ou emergencial[4].

    Por exemplo, caso alguém esteja doente e venha a falecer na ausência de testemunhas, ou se esteja perdido numa trilha – ou se encontre em outras situações extraordinárias como estas –, o Código Civil autoriza que a pessoa elabore um testamento emergencial de próprio punho, isto é, manuscrito pelo próprio testador. Para isso, é necessário que conste no documento a assinatura do testador e a circunstância excepcional que fez com que a pessoa escrevesse o testamento dessa forma.

    Ainda que não seja o propósito deste artigo abordar os testamentos no contexto da pandemia decorrente da COVID-19, é oportuno registrar que alguns juristas entendem que a situação pandêmica constitui uma das circunstâncias excepcionais que justificam o uso do testamento de emergência, mesmo que o testador não esteja doente. Isso porque o ser humano está sob o risco de ser contaminado pelo novo coronavírus a qualquer momento, e o temor de ser surpreendido pela morte pode induzi-lo ao desejo de se prevenir, patrimonial ou extrapatrimonialmente.

    Contudo, dentre os pesquisadores que defendem o uso do testamento particular simplificado nessas circunstâncias, alguns entendem que o documento caducará – ou seja, não poderá produzir efeitos – se o testador, ao sobreviver, não transformar o testamento simplificado em uma das formas ordinárias vistas acima, nos 90 dias subsequentes[5].

    Para que serve o testamento particular

    No testamento particular – assim como nas outras formas de testar –, o testador pode:

      • Fazer um planejamento sucessório;

      • Dispor de seu patrimônio da melhor forma que lhe interessar, desde que respeite o limite de 50% em caso de herdeiros necessários;

      • Incluir cláusulas, por exemplo:
           – condicionais (ex.: o carro X será de A, se ele se formar no ensino superior);
           – com encargo ou modais (ex.: o carro X será de A, desde que cumpra Y);
           – de inalienabilidade (ex.: o carro X é de A, porém não poderá vendê-lo até que complete a Y anos);
           – de substituição testamentária[6] (ex.: o carro é de A, mas na falta deste, será de B).

      • Deixar conselhos, recomendações etc. (conteúdo não patrimonial);

      • Revogar antigos testamentos;

      • Complementar outros testamentos;

      • Reconhecer filhos (ressalta-se: ainda que o testamento seja essencialmente revogável, o reconhecimento de filhos não o é. Isso significa dizer que, uma vez reconhecido o filho, não é possível desfazer esse ato!);

      • Complementar a sucessão legítima, por exemplo, ao distribuir os bens aos herdeiros necessários;

    Acima, são apenas alguns exemplos do que o testador pode fazer ao elaborar um testamento. A verdade é que se trata de um documento jurídico que dá ampla liberdade à pessoa que deseja manifestar a sua última vontade.

    Como funciona o testamento particular

    O testamento particular pode ser elaborado de próprio punho ou mediante processo mecânico (ex.: escrito em um computador)[7]Caso seja feito da primeira forma, é necessário que seja lido e assinado pelo testador, na presença de ao menos três testemunhas, que também devem assinar o testamento. Já se for feito mediante processo mecânico, é preciso que o testador assine e leia o documento na presença de três testemunhas, que também devem assiná-lo. Além disso, não pode conter rasuras nem espaços em branco, para que não dê margem a acréscimos simulados por terceiros.

    Uma informação importante: pelo fato de o Código Civil não impor que o testamento mediante processo mecânico seja escrito pelo testador, é possível que um terceiro o digite, desde que não interfira na vontade da pessoa que deseja fazer o testamento[8]. Destaca-se também a possibilidade de ser redigido em língua estrangeira, desde que as testemunhas a compreendam. Ainda, caso você se sinta confortável, poderá escrever e reescrever o seu testamento ao longo dos dias, dos meses e até dos anos. Assim, terá seu tempo para refletir sobre as disposições de sua última vontade!

    Testamento-Particular.-Direito-Sucessorio.-Advogada-Maria-Porath
    Fonte: O Projeto de Lei n° 3799/2019 e a influência da era tecnológica para testamento particular gravado em sistema audiovisual [9]

    Depois de elaborado e assinado pelo testador e pelas testemunhas, deve-se armazenar o testamento em lugar seguro. E se você tiver alguém de sua confiança, é indicado informar a esta pessoa onde o documento está armazenado. Isso porque uma das desvantagens do testamento particular – conforme será visto no tópico abaixo – é que o testador fica responsável pelo seu armazenamento, sem que haja qualquer registro público de sua confecção.

    Traçando um paralelo com o mundo das artes, a ópera Gianni Schicchi, do compositor italiano Giacomo Puccini, retrata com humor a situação de uma família deserdada pelo patriarca recém-falecido, mas que encontra o testamento particular na casa do testador e com má-fé consegue alterar a sua última vontade. Portanto, para evitar que o seu testamento seja extraviado, é importante adotar medidas extras de segurança!

    Após o seu falecimento, se a existência do testamento particular for de conhecimento de terceiros, os herdeiros, os legatários ou o testamenteiro – pessoa escolhida pelo testador que será responsável por fazer cumprir suas últimas vontades – devem requerer a publicação do testamento particular em juízo[10]. Uma vez feito esse requerimento, o juiz intimará as testemunhas que assinaram o testamento. Se elas confirmarem a sua existência e reconhecerem suas assinaturas, o documento será confirmado; ou seja, terá validade. Caso não seja possível o seu reconhecimento, o testamento não terá validade e, portanto, não produzirá efeitos no mundo jurídico[11].

    É válido destacar que, se ao menos uma testemunha puder reconhecer o testamento e a sua assinatura, o juiz poderá confirmar o testamento particular, caso entenda que há prova suficiente de sua veracidade. No entanto, na ausência de todas as testemunhas, infelizmente, o testamento particular não poderá ser confirmado pelo juiz.

    Vantagens e desvantagens do testamento particular

    Após entender o conceito de testamento particular, notadamente no que diz respeito à sua finalidade e funcionalidade, é possível elencar alguns pontos positivos e negativos dessa forma de testar:

    Vantagens-testamento-particular.-Direito-Sucessorio.-Advogada.-Maria-Porath

      • Confecção mais simples;

      • Mais econômico, uma vez que não se faz uso de um tabelião;

      • Menos burocrático.

      • Menor segurança jurídica;

      • Precisa ser confirmado em juízo, depois de falecido o testador, para ter validade jurídica;

      • Se todas as testemunhas não estiverem presentes, resta prejudicada a sua validade;

      • Não há registro em ofício público e, portanto, pode ser mais fácil de ser extraviado.

    Frisa-se que são listadas apenas algumas vantagens e desvantagens do testamento particular. Para um aprofundamento do tema, recomenda-se uma consulta jurídica com uma advogada (ou um advogado) especialista em direito das sucessões. De modo geral, o testamento particular possui requisitos mais simples que as outras formas testamentárias. Em contrapartida, tem uma menor segurança jurídica, uma vez que não necessita do poder público para a sua confecção.

    Conclusão

    A proposta deste artigo foi contextualizar o testamento particular, já que foi muito lembrado no contexto da pandemia decorrente da COVID-19. Em síntese, essa forma de testar pode ser feita de próprio punho ou mediante processo mecânico, desde que, regra geral, seja lido e assinado pelo testador, na presença de três testemunhas, que também devem assinar o documento.

    Conforme visto no tópico anterior, o testamento particular possui vantagens e desvantagens que devem ser ponderadas quando da escolha da forma testamentária. Por conseguinte, não é possível afirmar se vale ou não a pena elaborar um testamento particular, porque depende do seu propósito, da sua vida pessoal. Portanto, essa escolha deve ser baseada única e exclusivamente no objetivo para depois de sua morte!

    Caso você tenha interesse na confecção de um testamento particular, ainda que seja possível elaborá-lo sem um serviço jurídico, é recomendável uma consulta jurídica com especialista em direito sucessório. Dessa forma, o risco de o testamento particular conter alguma cláusula passível de ser anulada diminui consideravelmente. Como informado, o testamento particular é uma das formas mais precárias na esfera jurídica, o que exige que a sua escolha seja cercada de medidas seguras para que a sua última vontade manifestada em vida tenha a garantia de que será atendida.


    [1] Advogada. Membro da Comissão de Direito de Família da Subseção de São José (SC). Membro da Comissão de Mediação da Subseção de São José (SC). Formada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Licenciada e Bacharela em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) — 2015. E-mail: contato@mariaporath.adv.br


    [2] Art. 1.862, CC. São testamentos ordinários: I – o público; II – o cerrado; III – o particular.

    [3] Art. 1.886, CC. São testamentos especiais: I – o marítimo; II – o aeronáutico; III – o militar.

    [4] Art. 1.879, CC. Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.

    [5] Enunciado 611, da VII Jornada de Direito Civil. O testamento hológrafo simplificado, previsto no art. 1.879 do Código Civil, perderá sua eficácia se, nos 90 dias subsequentes ao fim das circunstâncias excepcionais que autorizaram a sua confecção, o disponente, podendo fazê-lo, não testar por uma das formas testamentárias ordinárias.

    [6] Art. 1.947, CC. O testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro ou ao legatário nomeado, para o caso de um ou outro não querer ou não poder aceitar a herança ou o legado, presumindo-se que a substituição foi determinada para as duas alternativas, ainda que o testador só a uma se refira.

    Art. 1.948, CC Também é lícito ao testador substituir muitas pessoas por uma só, ou vice-versa, e ainda substituir com reciprocidade ou sem ela.

    [7] Art. 1.876, CC. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico.
    § 1 Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever.

    Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão.

    [8] DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 7 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2021.

    [9] PORATH, Maria Luisa Machado. O Projeto de Lei n° 3799/2019 e a influência da era tecnológica para testamento particular gravado em sistema audiovisual. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/223777/TCC%20-%20Maria%20Luisa%20Porath.%20Testamento%20particular%20em%20v%C3%ADdeo.pdf?sequence=2&isAllowed=y. Acesso em: 22. nov. 2022.

    [10] Art. 1.877, CC. Morto o testador, publicar-se-á em juízo o testamento, com citação dos herdeiros legítimos.

    [11] Art. 1.878, CC Se as testemunhas forem contestes sobre o fato da disposição, ou, ao menos, sobre a sua leitura perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas, assim como a do testador, o testamento será confirmado.

    Parágrafo único. Se faltarem testemunhas, por morte ou ausência, e se pelo menos uma delas o reconhecer, o testamento poderá ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova suficiente de sua veracidade.

    * Primeira publicação deste artigo de autoria de Maria Luisa Machado Porath foi em Schiefler Advocacia.

     

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